Família para quem precisa
Bem vindo, filho...
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Quando nos conhecemos, em um feriado no verão de 2004, em Florianópolis (SC), não imaginávamos que 11 anos depois em nossas vidas haveria um terceiro elemento, que passaria a dar um novo sentido aos nossos dias. Foi em 2015 que ele chegou: nosso filho, Jeová.
Ao longo dos anos, treze de relacionamento, amadurecemos a ideia de ter um filho.
Queríamos acolher alguém para participar da nossa vida, dividir tudo o que já havíamos conquistado até então, incluindo a capacidade enorme de amar e sermos amados. Esta vontade foi ficando mais forte a partir de 2011. Tendo tido a oportunidade de morar na África por um ano, por meio da Força Aérea Brasileira (FAB), pensamos, inclusive, em adotar uma criança na Costa do Marfim. Lá, um encontro com um padre mudou esta ideia. Ele perguntou: ‘você acha que no Brasil não tem criança para ser adotada?’. No retorno ao Brasil, após um ano, começamos a correr atrás das coisas e a fazer o curso na Vara da Infância de Brasília, onde morávamos. Sabíamos, então, no fundo de nossos corações, que
nosso filho nos aguardava por aqui mesmo...
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A história de Jeová, agora com 10 anos, não é muito diferente da de outras crianças que estão em abrigos à espera de uma família. Porém, a trajetória que o levou até nós começou em uma fila no aeroporto, quando eu, André, me preparava para embarcar para a cidade de Natal (RN). “Havia uma mulher à minha frente, ela consolava e orientava alguém ao telefone que havia adotado três crianças. Quando ela desligou, eu disse que não era por acaso que estava atrás dela na fila. Contei minha história e do Gustavo, que queríamos adotar uma criança, e descobri que ela era a vice-presidente do Aconchego (Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária)”. Nesta época, morando em Brasília, tudo se encaixou e passamos a fazer parte do Aconchego, frequentando os Encontros, compartilhando experiências de pessoas que já haviam adotado crianças e recebendo orientações sobre tudo que envolve uma adoção. Contratamos também uma advogada para nos auxiliar no processo de habilitação na vara da infância e da juventude.
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Neste caminho, oficializamos nossa união civil em junho de 2014, com uma pequena celebração em Porto Alegre, depois concluímos o curso na Vara da Infância e, finalmente, fomos declarados habilitados para a adoção em janeiro de 2015.
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Após nove meses da habilitação, portanto em setembro de 2015, já morando em São José dos Campos (SP), a vontade de receber logo nosso filho foi crescendo de forma exponencial! Pensamos em entrar no sistema de Busca Ativa, aquela que auxilia na procura por adotantes habilitados para crianças e adolescentes denominados “de difícil colocação” (grupos de irmãos que não devem ser separados, crianças acima de 5 anos, com deficiência). Conversamos a respeito num determinado dia e, neste exato momento, um dia depois da conversa sobre a tal Busca Ativa, uma psicóloga da Vara da Infância de Brasília, onde deixamos nosso cadastro, ligou para o telefone do Gustavo. Ela disse que tinha um menino que fugia um pouco do perfil que buscávamos, que era entre 3 e 6 anos.
Não sabíamos o nome da criança, nada na verdade além de que se tratava de um menino de 8 anos. Precisávamos responder um “sim” ou “não” para termos mais informações. E, claro, a resposta foi sim.
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Na mesma noite, tivemos uma longa conversa com esta psicóloga, a Rose, por telefone. Ela nos passou tudo que era possível e permitido para aquela etapa e nós, de pronto, decidimos que arrumaríamos as nossas coisas e partiríamos para Brasília em poucos dias...
A chegada de Jeová
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No dia 30 de setembro pegamos um avião direto de São José dos Campos para Brasília. Já no dia 1º de outubro, cedo pela manhã, comparecemos à Vara da Infância para saber mais a respeito de nosso filho. Aberto seu arquivo, tudo que havia disponível de informações sobre o Jeová nos foi falado. E ao fim, o conhecemos por fotos. Foi um momento de grande emoção. Muitas lágrimas percorreram nossos olhos. Era como se já o conhecêssemos há muito tempo.
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Paralelo a isso tudo, o Jeová já estava sendo trabalhado no abrigo para o fato de que teria dois pais, fato que ele aceitou desde sempre com muita naturalidade. No dia seguinte, 2 de outubro de 2015, fomos conhecê-lo pessoalmente e a emoção tomou conta. Ao entrar na sala onde o aguardávamos, no Lar Bezerra de Menezes em Ceilândia, cidade satélite de Brasília, ele logo nos deu um abraço, pulou no nosso colo e chamou a gente de pai. A psicóloga perguntou a ele: “quem são?” E ele respondeu: “são meus pais!” Desde o primeiro momento foi assim que ele nos tratou.
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Jeová chegou à nossa vida em 2015
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A conexão que se estabeleceu entre nós foi muito forte. O primeiro encontro foi comentado à exaustão no âmbito da Vara da Infância e mesmo entre os profissionais do abrigo, dado o carinho e apego que se desenvolveu. Por estarmos fora de nossa cidade, livres de outros compromissos, passamos a frequentar e visitar o Jeová todos os dias. Não houve um só dia que não estivemos juntos. Isso facilitou, e muito, para que o processo de vinculação fosse acelerado e estabelecido, de uma maneira que nunca antes havia acontecido com uma adoção tardia no âmbito daquele abrigo, segundo nos relataram. O abrigo ficava em um local distante de onde estávamos hospedados e tínhamos que andar praticamente uma hora para ir e uma hora para voltar. Mas cumpríamos estas viagens com muita alegria e vontade.
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Nos encontros, nós começamos a mostrar fotos e vídeos dos tios, dos avós, de pessoas da família para que ele já pudesse conhecer todos. Desde o momento em que recebemos a ligação soubemos que o Jeová deveria estar com a gente. E isso foi também estendido a todas as nossas famílias originais. Sempre coordenado e autorizado pelos psicólogos e assistentes sociais, recebemos, passo-a-passo, autorização para passear com o Jeová fora do abrigo. Um dia fomos soltar pipa em um parque próximo ao abrigo, depois passeamos num shopping, num zoológico... No aniversário do Gustavo, 13 de outubro, fomos para um hotel e ele dormiu com a gente pela primeira vez. Até que, sob a ótica dos profissionais que nos acompanhavam, não tinha mais o que fazer, nem retardar.
Assim, o juiz nos deu a guarda provisória e no dia 24 de outubro, saíamos com o Jeová em definitivo.
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Foram 23 dias para que Jeová saísse do abrigo e uma nova família se formasse. Preconceito e nova rotina
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Desde que o nosso filho chegou nossa vida não passou por nenhuma situação de preconceito. O Jeová é sempre muito bem acolhido como parte de uma família homoafetiva. Rapidamente, ele se integrou a seus tios, avós, amigos nossos... Nos rotina mudou um pouco, mas nós tentamos seguir uma regra que, pensamos, deveria ser aplicada por todos os que têm filhos: tentamos não mudar a nossa vida 100% em função do Jeová. Ele chegou para complementar e completar a nossa vida, nós o inserimos na nossa rotina. O incluímos em tudo o que podemos fazer juntos, mas ele tem as atividades
que faz sozinho como escola, aula de inglês, futebol, sessões com a psicóloga, etc. Da mesma forma, mantemos as nossas.
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Dentre as coisas que mais gosta de fazer, soltar pipa é uma das brincadeiras favoritas do Jeová, que nasceu em Brasília. Sobre isso, lembramos sempre, com muita emoção, que o Gustavo, em 2007, ano que o Jeová nasceu e muito antes de sequer pensarmos em adotar uma criança, fez uma tatuagem na perna de uma criança soltando uma pipa... Na época, quando as pessoas perguntavam o porquê daquele desenho, ele dizia que era o filho que um dia ele ia ter... Esta história fascinou o Jeová, ainda no abrigo. Ele apontava sempre para a perna do Gustavo quando alguém se aproximava e dizia: “aquele ali sou eu! Meu pai me desenhou antes mesmo de me conhecer!”
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O abrigo em que nosso filho viveu antes de chegar à nossa casa era muito organizado e contava com profissionais excelentes. As crianças aprendiam a organizar as coisas, até por ser um ambiente comunitário. Quisemos manter e estimular isso. Assim, o Jeová é uma criança bem organizada. Somos muito gratos a todos que cuidaram do Jeová antes que nós pudéssemos (re)encontrá-lo. Fazemos questão de motivar o Jeová a não se esquecer de seu passado, que foi muito duro, e também recordamos a ele das pessoas que cuidaram dele enquanto nós não chegávamos. Por outro lado, damos a ele, todos os dias, aquelas coisas de que ele foi privado de receber integralmente ao longo de seus primeiros 8 anos de vida: Amor, Carinho, Atenção e Cuidado.
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“Filho: nós te amamos e somos muito gratos por você ter nos escolhido para cuidar de você e te amar”.
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André e Gustavo
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